Suicídio à luz da Bíblia
- Gile
- 1 de mai. de 2020
- 8 min de leitura
Atualizado: 7 de abr. de 2024

Suicídio é um subtipo de homicídio (homicidium: assassinato de um ser humano). A Bíblia não usa o termo suicídio, porque ele é redundante naquilo que ela deseja expressar. Ela trata da questão do homicídio - i.e., a morte de qualquer ser humano, e isso inclui todas as suas variantes, inclusive o suicídio. A origem da palavra suicídio é latina1, e é formada pela junção do prefixo sui e do sufixo cídio. Sui é um pronome reflexivo; i.e., indica que a ação é provocada pelo próprio indivíduo que a recebe. Cídio2 deriva do sufixo latino cidium, e indica ação de provocar a morte de alguém. O dicionário em questão, inclusive, emprega filicídio como exemplo de cídio.
O primeiro homicídio é narrado em Gênesis 4.1-16:
Coabitou o homem com Eva, sua mulher. Esta concebeu e deu à luz a Caim; então, disse: Adquiri um varão com o auxílio do SENHOR. Depois, deu à luz a Abel, seu irmão. Abel foi pastor de ovelhas, e Caim, lavrador. Aconteceu que no fim de uns tempos trouxe Caim do fruto da terra uma oferta ao SENHOR. Abel, por sua vez, trouxe das primícias do seu rebanho e da gordura deste. Agradou-se o SENHOR de Abel e de sua oferta; ao passo que de Caim e de sua oferta não se agradou. Irou-se, pois, sobremaneira, Caim, e descaiu-lhe o semblante. Então, lhe disse o SENHOR: Por que andas irado, e por que descaiu o teu semblante? Se procederes bem, não é certo que serás aceito? Se, todavia, procederes mal, eis que o pecado jaz à porta; o seu desejo será contra ti, mas a ti cumpre dominá-lo. Disse Caim a Abel, seu irmão: Vamos ao campo. Estando eles no campo, sucedeu que se levantou Caim contra Abel, seu irmão, e o matou. Disse o SENHOR a Caim: Onde está Abel, teu irmão? Ele respondeu: Não sei; acaso, sou eu tutor de meu irmão? E disse Deus: Que fizeste? A voz do sangue de teu irmão clama da terra a mim. És agora, pois, maldito por sobre a terra, cuja boca se abriu para receber de tuas mãos o sangue de teu irmão. Quando lavrares o solo, não te dará ele a sua força; serás fugitivo e errante pela terra. Então, disse Caim ao SENHOR: É tamanho o meu castigo, que já não posso suportá-lo. Eis que hoje me lanças da face da terra, e da tua presença hei de esconder-me; serei fugitivo e errante pela terra; quem comigo se encontrar me matará. O SENHOR, porém, lhe disse: Assim, qualquer que matar a Caim será vingado sete vezes. E pôs o SENHOR um sinal em Caim para que o não ferisse de morte quem quer que o encontrasse. Retirou-se Caim da presença do SENHOR e habitou na terra de Node, ao oriente do Éden.
É interessante notar a motivação deste ato de Caim, bem como a forma como Deus o descreve: “Então, lhe disse o SENHOR: Por que andas irado, e por que descaiu o teu semblante? Se procederes bem, não é certo que serás aceito? Se, todavia, procederes mal, eis que o pecado jaz à porta; o seu desejo será contra ti, mas a ti cumpre dominá-lo” (Gênesis 4.6,7; grifo acrescido).
Deus refere-se ao desejo homicida no coração de Caim como “pecado”; adverte-o de que fazê-lo é proceder mal; que tal intento está baseado em ira; revela ser tal atitude uma ação que redundará em prejuízo contra o próprio Caim e ser dever do mesmo dominar esse instinto pecaminoso homicida.
Interessante como Cristo iguala em gravidade o ódio – ato que gesta o homicídio – ao próprio homicídio (Mateus 5.21-26):
Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; e: Quem matar estará sujeito a julgamento. Eu, porém, vos digo que todo aquele que sem motivo se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento; e quem proferir um insulto a seu irmão estará sujeito a julgamento do tribunal; e quem lhe chamar: Tolo, estará sujeito ao inferno de fogo. Se, pois, ao trazeres ao altar a tua oferta, ali te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa perante o altar a tua oferta, vai primeiro reconciliar-te com teu irmão; e, então, voltando, faze a tua oferta. Entra em acordo sem demora com o teu adversário, enquanto estás com ele a caminho, para que o adversário não te entregue ao juiz, o juiz, ao oficial de justiça, e sejas recolhido à prisão. Em verdade te digo que não sairás dali, enquanto não pagares o último centavo.
No evento de Gênesis, o ódio – e, portanto, o homício – está direcionado à Abel, irmão do homicida. Mas no suicídio, a ira é dirigida ao próprio indivídio que o comete. Curiosamente, Deus revela a Caim que o homicio a outrem que este planejava praticar voltaria-se contra o próprio Caim, de forma a castigá-lo por seu ato impensado – a violência sempre cobra seu preço! Assim, seja no caso de homicídio de outra pessoa ou de si mesmo (suicídio), o resultado, inexoravelmente, reflui sobre o praticante de tal ato. A vida – seja humana ou de animais – é sagrada, pois um ato divino sobrenatural, e tem em Deus seu proprietário exclusivo. Isso nos conduz a perceber porque matar é errado.
“Então, falou Deus todas estas palavras:… não matarás” (Êxodo 20.1,13).
Deus foi bastante claro aqui – não matarás! E não há determante permitindo qualquer forma de homicídio – seja contra outrem, seja contrar si mesmo.
Por que matar é errado?
A resposta curta é: porque Deus nos diz que é! A resposta longa é que a vida pertence a Deus (Salmos 24, dentre outros textos). Fere a santidade de Deus derramar sangue de qualquer pessoa, pois desrespeita Sua soberania em determinar quanto tempo uma vida terá sobre a face da Terra, o que é prerrogativa exclusiva daquele que detém a propriedade de todas as vidas – Deus. Veja quão grave foi este ato e como ele causou distanciamente de Deus no caso de Caim.
“Ao SENHOR pertence a terra e tudo o que nela se contém, o mundo e os que nele habitam” (Salmo 24.1). Com a clareza do sol de meio-dia, o salmista inequivocamente expressa a verdade de que toda vida pertence a Deus. A Terra inteira e tudo o que sobre ela vive!
Sim, sua vida não é sua! Ela pertence a outrem, a Deus. Você não é dono de si. E é por esse motivo que: “Porque a palavra de Deus é viva… E não há criatura que não seja manifesta na Sua presença; pelo contrário, todas as coisas estão descobertas e patentes aos olhos Daquele a quem temos de prestar contas” (Hebreus 4.12,13; grifo acrescido).
Nós só prestamos conta ao proprietário de um bem. Quando alugamos um carro, precisamos devolvê-lo nas condições em que o recebemos. Por quê? Porque este veículo não nos pertence, é propriedade da locadora. Prestamos conta ao proprietário do bem. No caso da vida, prestamos conta a Deus, o dono de todas as vidas que há. E é por isso que prestamos contas a Deus! Se nossa vida fosse nossa, não prestaríamos conta a Ele nem a ninguém!
Mesmo diante de patente verdade bíblica, ainda pode haver alguém a objetar: ah, mas não podemos julgar o suicida, uma vez que ele pode ter-se arrependido no ínterim em que iniciou e culminou seu suicídio.
Aos tais, respondemos – novamente – com a translúcida verdade expressa na Escritura de que o arrependimento leva tempo, exige reflexão. Não ocorre em segundos fatais, repletos de instabilidade emocional e desespero.
O arrependimento leva tempo. No mínimo horas. Veja o caso do malfeitor crucificado ao lado de Cristo e o caso do apóstolo Paulo depois de cair do cavalo e passar dias orando, tendo perdido a visão física. Essas conversões levaram horas (pelo menos nove horas, no caso do ladrão) e dias (no caso de Paulo)t Embora, o mesmo malfeitor tenha demonstrado um conhecimento prévio de Cristo, preste atenção às suas palavras (Lucas 23.40-42):
Nem ao menos temes a Deus, estando sob igual sentença? Nós, na verdade, com justiça, porque recebemos o castigo que os nossos atos merecem; mas este nenhum mal fez. E acrescentou: Jesus, lembra-te de mim quando vieres no teu reino.
Ele repreende um outro malfeitor que estava sendo crucificado, o qual havia escarnecido de Cristo, e reconhece que era – ele mesmo – culpado de tal sentença; ao mesmo tempo, confessa que Jesus era inocente, possuía um reino e que estava prestes a adentrar no mesmo! Não foram aquelas poucas horas ao lado de um Cristo exausto por infindáveis atos de tortura física e mental que revelaram tais verdades àquele criminoso.
Mas aquelas mais de nove horas e a repulsa popular e governamental fizeram com que aquele homem refletisse sobre quem havia sido e o que o aguardava eternamente! Isso, somado ao seu lugar de crucificação bem ao lado do Imaculado Cordeiro de Deus, produziram um profundo pesar que o convenceu da necessidade de arrependimento e conversão a Cristo, baseado em um contato prévio com os ensinos de Cristo.
Lembre-se de que estamos falando de alguém que vivia em Israel e de que Jesus havia-se tornado a figura mais popular daquele país, todos já haviam ouvido falar do tal rabi nazareno, até os criminosos (Mateus 4.23-25; Lucas 4.36,37; 7.15-17)! Contudo, é interessante perceber que seu colega não foi convencido, ainda que vivenciando a mesma situação.
Veja, não há caso de "conversão instantânea" na Escritura. Isso porque o arrependimento leva tempo. Certamente, mais do que alguns minutos. Porque é um processo profundo na alma, e envolve uma mudança completa de atitude. E isso não ocorre da noite para o dia. E se você discorda disso, eu o desafio a mostrar um só caso de arrependimento instantâneo na Escritura. E não confunda andar com Cristo com ser transformado por Ele. Porque Judas também andou com Jesus, mas não se arrependeu.
Zaqueu já conhecia Jesus quando recebeu Dele o convite para jantar, do alto do Sicômoro (tanto que subiu na árvore para vê-lo, ele já o conhecia antes e tinha profundo desejo de aproximar-se Dele). Levi passou a andar com Cristo na mesma hora em que este o chamou, mas isso não significa nem que ele já conhecesse – de fato e plenamente – o Evangelho de Cristo nem que ele tenha se arrependido naquele mesmo instante. De fato, há provas do contrário, de que os doze discípulos não tenham entendido a mensagem de Jesus até próximo do dia em que Cristo foi crucificado (João 12.16; veja os episódios envolvendo a pergunta dos fariseus sobre o que contamina o homem [Mateus 15.15,16], os discípulos não compreenderam a parábola do semeador [Mateus 13.36], os discípulos abandonaram Jesus no Getsêmani [Mateus 26.55,56]...).
Ademais, saber a verdade sobre o suicídio evita novos suicídios, conhecer o destino daqueles que assim procedem pode ser a força impeditiva à tal prática, em hora que uma leve força pode ser o suficiente para evitar tal ato desesperado.
Isentar-se de discutir o que a Escritura revela, seja sobre o que for, é muito perigoso, uma vez que seremos julgados pela própria Escritura (João 12.48). As coisas reveladas pertencem a nós (Deuteronômio 29.29). E, se nos pertencem, devemos delas fazer uso. O isentismo em qualquer assunto revelado na Palavra de Deus – a qual expressa a vontade de Deus a fim de que andemos em conformidade com ela – não apenas nos priva de andar em conformidade com a vontade divina, como – consequentemente – conduz-nos à perdição eterna.
Veja quão grave é ignorar o que a Bíblia revela, lavando as mãos em ato politicamente correto, mas espiritual e eternamente errado. Muito cuidado com o isentismo, meus amigos!
Não podemos furtar-nos de dizer a verdade porque ela escandaliza ou ofende. Isso não será desculpa diante de Deus naquele dia eterno. Mesmo que a verdade sobre algo seja dolorosa, isso não a muda ou anula. Ela não se adequa a nós; ao contrário, nós é que devemos nos conformar a ela! Paulo nos adverte severamente: “Tornei-me, porventura, vosso inimigo, por vos dizer a verdade?” (Gálatas 4.16).
A morte é um ponto de inflexão (Hebreus 9.27). Encerrar a vida com um ato que ofende a Deus – afastando-nos eternamente Dele – dá cabo de toda esperança de estarmos eternamente com Ele.
1su·i·cí·di·o |u-i|
(latim sui, sibi, se, se [pronome reflexo] + -cídio): Ato ou efeito de se suicidar ou de tirar a própria vida. = AUTOCÍDIO.
"suicídio", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/suicídio [consultado em 01-05-2020].
2-cídio
(sufixo latino -cidium, do latim caedo, -ere, cortar, deitar abaixo): Exprime a noção de ação que provoca a morte ou o extermínio (ex.: filicídio).
"-cídio", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/-cídio [consultado em 01-05-2020].
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